Bahia, 07 de Novembro de 2025
Por: iclnoticias.com.br
07/11/2025 - 11:05:16

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) apresentou, na audiência desta quinta-feira (5) da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional, um panorama atualizado do crime organizado no país.

O coordenador-geral de Análise de Conjuntura, Pedro de Souza Mesquita, e o diretor de Inteligência Interna, Esaú Samuel Lima Feitosa, relataram que a agência está concluindo um mapeamento com 31 grupos com potencial de afetar a segurança de estados, três com atuação nacional.

Pedro informou que o relatório está em fase final de elaboração e que deve ser concluído até o fim deste ano, com apresentação prevista para o início de 2026. Em sua fala na audiência da CCAI, ele detalhou o escopo do levantamento e o critério adotado pela agência.

“O que isso quer dizer? De forma ainda mais clara, há 31 grupos que são capazes, pelo menos, de afetar a segurança pública de um Estado. Desses 31, 13 atuam em âmbito nacional”, afirmou.

A explicação de Pedro deu mais clareza à proposta da Abin: construir um diagnóstico abrangente sobre as facções com potencial de afetar a estabilidade regional, permitindo ações coordenadas entre as forças de segurança e os órgãos de inteligência.

Ele ressaltou que a iniciativa busca fortalecer a capacidade do Estado de reagir com mais precisão e rapidez ao avanço das organizações criminosas.

Ele também explicou que o objetivo do mapeamento é estabelecer uma linha de prioridade entre as organizações criminosas que têm impacto direto sobre a segurança estadual. Ele afirmou que o crime organizado passou a operar como um “portfólio de rentabilidade”, em que o tráfico de drogas é apenas uma parte do negócio.

O coordenador mencionou ainda que as facções passaram a utilizar o domínio territorial como forma de ampliar o lucro, com infiltração em atividades legais, como postos de gasolina e contratos públicos.

31 grupos identificados: 13 com presença nacional, 18 com atuação regional; relatório em fase final de consolidação.
Critério de prioridade: foco nos grupos capazes de afetar a segurança estadual de forma estrutural.
Ele também destacou que o mapeamento busca compreender como essas organizações se diversificam e se articulam. Ele explicou que o conceito de “linha vermelha” serve para identificar quais grupos têm potencial de desequilibrar a segurança pública de um estado. O trabalho, segundo ele, vai permitir que as forças de segurança atuem de forma coordenada e com informações atualizadas.

“Efeito UPP”

Durante a reunião, Pedro analisou o fenômeno que chamou de “efeito UPP”, associando a nacionalização do Comando Vermelho (CV) ao período das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro.

A partir de 2013, o processo de dispersão de lideranças do CV teria contribuído para o fortalecimento da facção em outros estados, criando uma rede interestadual de alianças locais e expansão logística. O auge dessa expansão, segundo ele, ocorreu entre 2024 e 2025.

O modelo do CV, segundo a Abin, se caracteriza pela formação de alianças com grupos locais e pelo fornecimento de armas e drogas, mantendo um comando descentralizado — diferente da estrutura vertical do PCC.

Pedro destacou que o CV domina quase toda a região Norte, com exceção de Roraima e Amapá. O avanço do grupo, conforme o levantamento, foi impulsionado pela combinação entre logística eficiente e alianças flexíveis.

Para ajudar o leitor a visualizar a lógica descrita pelo coordenador:

Descentralização e alianças locais: o CV se consolidou por meio de acordos regionais, ampliando sua presença e adaptando-se a diferentes contextos.

Expansão territorial e infiltração econômica: o domínio de áreas passou a gerar lucro com negócios legais e ilegais, distorcendo a concorrência.
Pedro também apontou que o “territorialismo” das facções serve como um motor econômico, permitindo a exploração de atividades formais sob controle do crime. Essa transição, observou ele, marca a consolidação de um modelo empresarial do crime organizado.

TCP replica o método do CV

A Abin também identificou a ascensão do Terceiro Comando Puro (TCP), que vem ocupando espaços deixados pelo PCC. O relatório cita a presença do TCP em pelo menos dez estados — Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Ceará, Amapá, Acre, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. O grupo, segundo a exposição feita na audiência, replicou o método do CV, oferecendo armas, drogas e o discurso de “homicídio zero” como estratégia de atração.

A expansão do TCP reforça o diagnóstico de que as principais facções estão se reorganizando em rede. Pedro afirmou que “não há confronto de organização criminosa no Brasil hoje que não envolva o Comando Vermelho”, destacando o protagonismo do grupo nas disputas regionais.

Vazamentos comprometem operações

Na parte final da audiência, o diretor da Abin, Esaú, alertou para as limitações operacionais impostas pela ausência de um marco legal que regulamente o compartilhamento de informações entre as agências de inteligência e as forças de segurança. Ele defendeu a criação de um sistema formal de troca de dados em tempo real, que substitua o modelo atual baseado em relatórios lentos e pouco acionáveis.

Esaú explicou que a inteligência precisa ser “acionável” — ou seja, produzir informações que possam ser imediatamente usadas em campo. Ele ressaltou que os vazamentos de dados continuam comprometendo operações e permitindo que líderes criminosos escapem. Para exemplificar, afirmou que os vazamentos acabam “avisando as maiores peças” antes das ações.

O diretor também observou que a falta de previsibilidade jurídica gera paralisia entre servidores e compromete a efetividade das ações. Ele defendeu que a priorização de alvos estratégicos, como responsáveis pela logística e importação de armamentos, é fundamental para enfraquecer as cadeias criminosas.

Essa estratégia, segundo ele, permite criar “ruído” nas operações das facções e abrir espaço para capturas de maior impacto.

O conjunto de exposições de Pedro e Esaú na CCAI revela que a Abin vê o crime organizado brasileiro como um fenômeno em transformação — mais integrado, diversificado e economicamente sofisticado. O desafio agora, concluíram, é dotar o Estado de instrumentos legais e técnicos capazes de acompanhar essa evolução e evitar que a inteligência continue “enxugando gelo” diante da velocidade das facções.

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