Gamelas e pratos de madeira, colheres de pau e outras peças de adorno para residências, geralmente vendidas em pequenas barracas, nas margens das rodovias federais ou em pontos turísticos, e consideradas peças de “artesanato”, fazem parte do que os gestores do Parque Nacional do Pau Brasil (Parna Pau-Brasil) denominam de “industrianato”, ou seja, uma indústria de fundo de quintal criminosa, camuflada como artesanato.
Não há dados sobre a quantidade de peças produzidas e vendidas, nem o volume de dinheiro que movimenta esse mercado ilegal na nossa região. Mas, segundo conseguimos apurar, só na Costa do Descobrimento esses pontos de vendas de “industrianato”, podem chegar a três centenas, que vendem dezenas de milhares de peças por mês.
“Essa atividade é fruto de roubo”, afirma Lauro Henrique de Paiva JR, analista ambiental e responsável pela fiscalização da área do Parna Pau-Brasil.
O servidor público que pertence aos quadros do ICMBio, órgão responsável pela administração e fiscalização do parque, afirma que esses “roubos” são praticados quase sempre à noite, alta madrugada, o que praticamente impossibilita uma ação impeditiva. Além disso, não há uma equipe que possa fazer um trabalho preventivo contra essa ação criminosa. Ele, Lauro, é o chefe da fiscalização e único servidor do setor, responsável pela fiscalização de uma área de quase 20 mil hectares – cerca de 20 mil campos de futebol. Por isso, para fazer a fiscalização, geralmente se conta com o apoio de um ou dois brigadistas, empregados terceirizados, a quem cabe combater incêndios. “Contamos também com o apoio da Cipa Mata Atlântica, que faz um excelente trabalho, nos auxiliando, quando solicitamos, mas isso não é o suficiente”, expõe o servidor, que reclama a presença de outros órgãos nesse trabalho de prevenção e repressão aos crimes ambientais.
Segundo ele, um trabalho muito eficiente poderia ser realizado pela Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia (Sefaz), que, fazendo simples fiscalizações, poderia combater de forma efetiva essa exploração criminosa da mata nativa. Lauro explica que a Sefaz pode fiscalizar periodicamente os locais de revenda desse falto artesanato e exigir dos seus proprietários a apresentação das notas fiscais da madeira, matéria prima desse “industrianato”. “E eles não vão ter notas fiscais para apresentar, assim, essas peças podem ser apreendidas”.
O servidor do Parna Pau-Brasil acredita também que, não comprando esses produtos, a própria população pode dar uma importante colaboração para a preservação do que resta da mata atlântica.
Na conversa com os gestores do parque, que então se restringia aos crimes ambientais cometidos pelos “brancos”, foi levantado outro aspecto: a exploração da mata atlântica, também para a confecção desse suposto artesanato, pelos Pataxó, etnia que vive em toda a faixa litorânea da Costa do Descobrimento. O que, na nossa visão, era permitida pela legislação. Os indígenas também o fabricam e o vendem, explorando madeira nas áreas que lhes são destinadas para viverem. Perguntado se os remanescentes dos primeiros habitantes daqui têm esse direito, o gestor do parque, Fábio Faraco, respondeu que: “toda área indígena é criada para que eles mantenham, segundo a lei, seus modos de vida tradicionais; suas tradições. Mas eu nunca soube, em nenhum livro que li, que índio vendesse artesanato; não faz parte da tradição indígena, vender artesanato”. Para ele, portanto, os pataxós também cometem o mesmo crime ambiental dos não indígenas.
Danos – Os danos causados por essa atividade são imensos e irreparáveis, causados nas áreas do litoral brasileiro em que ainda existe mata atlântica, e têm como alvos principais as denominadas madeiras-de-lei, as madeiras nobres, em especial, o pau-brasil e o jacarandá-da-bahia. “Quem observa bem esse industrianto vê que ele está ficando cada vez mais branco, porque estão começando a pegar as madeiras brancas –de menor valor -, em razão das madeiras-de-lei estarem acabando”, diz Lauro, que afirma haver uma estimativa da ONG, SOS Mata Atlântica, que dá conta de que esse industrianato é responsável por derrubar mais de 100 árvores por dia na mata atlântica.
Visando dar uma noção do estrago que esse falso artesanato causa na mata nativa, o fiscal do ICMBio mostrou à reportagem como é feita uma gamelinha*, a principal peça do “industrianato”. Como mostra uma das fotos que ilustram essa matéria, a gamelinha é feita de um pedaço do tronco de uma árvore, quase sempre, madeira-de-lei, e durante sua confecção, mais de 60% do tronco são jogados fora. E o mais impressionante é que, para se fabricar essas peças, de uma forma geral, se corta árvores com idade em torno de 200 a 300 anos. E com o tronco de uma árvore assim, se fabrica em média, apenas 15 a 20 dessas “malditas gamelinhas”, como diz o fiscal.