Bahia, 20 de Abril de 2024
Por: Jackson Domiciano
04/12/2016 - 16:50:34

O site agazetabahia.com em parceria com o site Proyecto Impunidad.com publica neste domingo, 04, Matéria Especial sobre o caso Ronaldo Santana. Talvez a mais completa dentre todas que já foram publicadas ao longo dos vinte anos da execução do radialista. A pauta, embora longa, serve muito bem para muitas análises e conclusões por parte da sociedade.

Fiquemos a imaginar! Quantos “Ronaldos e Rielsons” foram abatidos a tiros em praças públicas? Quantos assassinos e mandantes de crimes bárbaros estão vivendo entre a sociedade, abraçados e gargalhando como se nada tivesse acontecido?

É muito triste observar a impunidade campear solta em nosso País e principalmente na Bahia, onde desembargadores atiram no escuro, dando liminares sem razão, em detrimento de prejuízos incalculáveis para as populações desses rincões sofridos do estado. A Bahia precisa avançar, quando o assunto são os Direitos Humanos.

 

Quatro tiros calaram Ronaldo Santana

12 de maio de 2000
Clarinha Glock
 
O radialista Ronaldo Santana de Araújo costumava começar seu programa de rádio lendo um Salmo. "Ainda que eu ande por um vale escuro como a morte, não terei medo de nada, porque tu, Senhor, estás comigo. A tua vara e o teu cajado me protegem", dizia o Salmo 23, um de seus favoritos. Na manhã de 9 de outubro de 1997, ele não teve tempo para fazer sua oração matinal. Foi assassinado com quatro tiros quando saía de sua casa na Rua do do Oeste, bairro Gusmão, acompanhado de seu filho, Márcio Alan, em direção a Rádio Jornal em que trabalhavam, em Eunápolis. O trajeto era sempre o mesmo. Naquele dia, por volta das 6h, pai e filho seguiam pela Rua Duque de Caxias, conhecida como Rua da Ladeira. 

Márcio disse que caminhava um pouco a frente de seu pai quando ouviu disparos de tiros e se virou. Viu Ronaldo caído no chão e começou a gritar. O assassino apontou a arma contra Márcio, que fugiu e tentou pedir ajuda para um homem em uma moto estacionada na esquina da duas ruas, sem obter resposta. O assassino disparou mais tiros contra Ronaldo, subiu a ladeira e seguiu com o homem da moto.

 

Márcio recorda que não havia muita gente na rua àquela hora, somente algumas pessoas que chegavam para uma feira existente no local, mas elas estavam dentro de um galpão. Ele viu um táxi e começou a acenar, pedindo ajuda. Ronaldo Santana foi levado pelo taxista e Márcio ao hospital. Estava vivo, mas em estado muito grave. Pela rádio, seus colegas anunciaram que ele necessitava de sangue. Pouco tempo depois, morreu. 

O filho de Ronaldo nunca conseguiu descrever com exatidão os homens que calaram seu pai. Disse que a ação dos bandidos foi muito rápida, e tinha de acudir Ronaldo, que estava caído. Além disso, o homem da moto estava com o capacete, o que dificultou o reconhecimento. Na época, Márcio trabalhava como operador de rádio de um programa na Rádio Jornal. Ronaldo Santana apresentava um programa policial pela manhã. Um dia antes de morrer, o radialista havia anunciado que faria uma denúncia sobre tráfico de drogas. Num dos programas, mencionou a existência de traficantes nas escolas, especialmente no colégio Anésia Guimarães. 

As críticas de Ronaldo contra a administração do prefeito Paulo Ernesto Ribeiro da Silva, o Paulo Dapé, também eram uma constante em seu programa. Ele não poupava policiais, políticos e moradores da comunidade. Num dos programas, falou da má qualidade da merenda nas escolas da cidade. Seus comentários fizeram com que a secretária de Educação, Maria de Lourdes Vieira do Nascimento, pedisse direito de resposta na rádio. Em uma sessão especial da Câmara de Vereadores, os dois se enfrentaram. Depois da sessão, o marido da secretária, Tércio Pereira, seguiu Ronaldo de carro e tentou agredi-lo com um pontapé e com palavras. Em 27 de junho de 1997, o radialista fez queixa na delegacia de polícia de Eunápolis contra Pereira. 

Ronaldo não costumava comentar com a mulher, Manuelina Moura de Araújo, 42 anos, sobre ameaças recebidas. Embora, nos últimos tempos, ela tenha sentido que o marido andava tenso e preocupado. Na noite anterior ao crime, ele quase não dormiu. Segundo Manuelina, Ronaldo levantou-se pelas 4h. Disse que perdeu o sono. Fez o café e saiu no horário habitual com o filho. 

A família não tinha uma situação econômica muito estável. Manuelina e Márcio tiveram de se mudar logo após o crime, por falta de dinheiro para pagar o aluguel. Manuelina mora hoje numa casa simples, numa vila de trabalhadores. Perdeu o emprego no hospital em que trabalhava e agora está se candidatando a vereadora. Márcio Alan saiu de casa para viver sozinho há um ano. Hoje trabalha na Rádio Jacarandá. 

Os primeiros depoimentos de Lima à polícia 

O caso de Ronaldo Santana de Araújo parecia estar solucionado quando, em 10 de novembro de 1998, o ex-policial militar Paulo Sérgio Mendes Lima foi preso em Goiânia por um outro crime - o assassinato de Sebastião Alves Nogueira, ocorrido em 8 de novembro, naquele Estado. Com detalhes impressionantes, na delegacia de Goiânia, Lima descreveu como contratou o assassino que disparou os tiros contra o jornalista Ronaldo Santana. 

Lima disse que foi procurado primeiro por um ex-policial, Josivaldo Muniz Lopes, o Lopão. Ele teria lhe avisado que Maria José Ferreira de Souza, conhecida como Maria Sindoiá, funcionária da Prefeitura, queria uma pessoa para fazer um "serviço": calar Ronaldo Santana a mando do prefeito de Eunápolis, Paulo Dapé. 

Lima já conhecia Dapé. Havia trabalhado como segurança em sua distribuidora de alimentos e, depois, como motorista durante sua campanha eleitoral. Revoltado por não ter conseguido nenhum cargo na prefeitura, após a eleição, passou a fazer oposição ao governo municipal. 

Conforme Lima, depois de ele falar pessoalmente com Maria Sindoiá, encontrou-se também com o prefeito e pediu R$ 500 (cerca de US$ 250) para as primeiras despesas de contrato dos assassinos. Em seu depoimento, menciona que o dinheiro foi depositado pelo funcionário Antônio de Oliveira Santos, o Toninho da Caixa. O último contato de Lima com Dapé teria sido feito na região de Colônia, numa manifestação de protesto contra a prefeitura. Dapé teria perguntado a Lima: "Então, nosso negócio não vai sair?" Ao que Lima teria dito: "A pessoa que vai fazer está viajando". 

No dia anterior ao crime, de acordo com Lima, ele foi a Porto Seguro fazer uma cobrança para um comerciante da região numa motocicleta alugada. Deu carona ao dono de um açougue, Alexandre Borges da Silva Neto, o Alex. Na volta, no meio do caminho, o pneu da moto furou, e Lima foi, de carona, a uma borracharia, onde ele e Alex se separaram. Lima disse que ficou bebendo num bar próximo dali até consertarem o pneu. Nesse momento, segundo relatou, chegaram dois rapazes, um deles descrito como sendo de estatura baixa, cor morena, cabelo cortado baixinho, cerca de 45 a 50 anos, conhecido apenas como "Doutor", que pediu para mostrar-lhe onde era a casa de Ronaldo Santana. 

A arma usada para assassinar o jornalista seria desse "Doutor", contratado por Lima. No dia do assassinato, conforme Lima, ele e o "Doutor" foram de moto até o local do crime. O "Doutor" disparou contra Ronaldo Santana, enquanto Lima o esperava na moto. Após a execução, Lima voltou para a Colônia, tomou um banho e saiu com um conhecido. No mesmo dia, foi avisado por um amigo, também policial, para quem venderia uma arma, que o delegado Aluizio Villas Boas, de Eunápolis, queria falar com ele. 

Segundo Lima, na delegacia de Eunápolis, policiais começaram a pressioná-lo para descobrir algo sobre a autoria do crime. Ele pediu um tempo ao delegado para descobrir o assassino. Saindo dali, abandonou a moto num posto de gasolina que estava fechado. Telefonou para o funcionário da prefeitura Waldemar Batista Oliveira, o Dudu, e pediu que depositasse R$ 700 na conta de um amigo, para que pudesse se deslocar a outro Estado. Fugiu para Rondônia. De lá, seguiu depois para Goiânia. 

Lima forneceu nomes, horários, locais. Confirmou tudo, dias depois, na delegacia de Salvador. Convocados a depor, todos os funcionários da prefeitura citados por Lima negaram sua participação. 

Nos depoimentos dados à polícia, surgiram contradições. O ex-policial Josivaldo Muniz Lopes, o Lopão, por exemplo, confirmou ao delegado que fora procurado por Maria Sindoiá dois a três meses antes do crime para que indicasse alguém capaz de dar uma surra em uma pessoa. Lopão disse que não faria serviço, que ela tentasse com Lima. Maria Sindoiá, por sua vez, admitiu que esteve no local de trabalho de Lopão, mas apenas teria "brincado com ele" sobre a possibilidade de dar uma surra no radialista. Disse que voltou a procurar Lopão para garantir que tudo não passava de uma brincadeira, mas não o encontrou. Hoje trabalhando em uma padaria em Eunápolis, Lopão não quer falar sobre o assunto. Procurado pela SIP em abril, disse que só daria entrevista se fosse convocado pela Justiça. 

A pessoa com quem Lima afirma ter ido a Porto Seguro, um dia antes do assassinato de Ronaldo Santana, sumiu da cidade. Alexandre Borges da Silva Neto, o Alex, deixou Eunápolis pouco tempo depois do crime. Segundo informações colhidas pela polícia, ele telefonou, mais de vez, de Vitória, no Estado do Espírito Santo, ao dono do prédio que alugava em Eunápolis, perguntando se havia serviço, porque precisava de dinheiro, e querendo saber da repercussão da morte do jornalista. 

Paulo Sérgio Mendes Lima muda seu depoimento e nega que Dapé seja mandante 

No dia 5 de fevereiro de 1999, Paulo Sérgio Mendes Lima registrou no 5º Tabelionato de Notas de Goiânia, em Goiás, que seus primeiros depoimentos a respeito do crime de Ronaldo Santana de Araújo foram obtidos sob pressão porque ele acreditava que policiais da Bahia queriam matá-lo. Disse ainda que jamais havia recebido qualquer dinheiro da prefeitura que não fosse apenas para o pagamento de despesas da campanha em que trabalhou como cabo eleitoral do prefeito. Mostrou-se arrependido por ter envolvido outras pessoas e alegou ter inventado a figura do "Doutor", apontado por ele como o executor do radialista. 

Um mês depois, em 4 de março, negou novamente as acusações contra funcionários da prefeitura num outro depoimento na Delegacia de Investigações Criminais de Goiânia para o delegado Mauro Moraes, diretor-adjunto do Departamento de Polícia do Interior da Polícia Civil da Bahia. Lima estava acompanhado de seus advogados João de Melo Cruz, de Salvador, e Antônio Carlos Trindade, de Goiânia. 

Segundo Lima, ao ser interrogado pela primeira vez, o delegado especial que apurava o caso, Júlio Souza, teria lhe dito que outro delegado, o de Eunápolis, Aluizio Villas Boas, havia recebido R$ 100 mil do prefeito Paulo Dapé para ir até Goiânia matá-lo. Se Lima não esclarecesse o crime, cairia sobre ele a culpa sobre a morte de Ronaldo Santana. 

Entrevistado pela SIP em 10 de abril deste ano, na prisão, Lima mais uma vez reiterou que fora pressionado para acusar o prefeito Paulo Dapé e que havia inventado o primeiro depoimento usando nomes de pessoas que conhecia da época da campanha eleitoral. De Bíblia na mão, convertido à Igreja Adventista, disse estar sendo usado pela polícia de Eunápolis como bode expiatório para encontrarem um culpado pelo crime e reclamou que só permanece preso por ser pobre. "Sei que, se sair da cadeia, vou morrer. Por isso comecei a estudar a Bíblia", afirmou. Antes de se converter, chegou a pensar em "mostrar como realmente se matava alguém". Garante: "A polícia tem como apurar quem matou". 

Até abril deste ano, um dos delegados acusados por Lima, Aluizio Villas Boas, continuava morando em Eunápolis. "Só posso falar pessoalmente, mediante perguntas por escrito, com você e eu rubricando as folhas", limitou-se a responder a SIP, por telefone. Com quase 20 anos de experiência na Polícia Civil, Villas Boas alegou que foi uma vítima envolvida em "assuntos de natureza policial". Afirmou ter sido retirado do posto em Eunápolis devido a influências políticas. 

Hoje trabalhando em Santo Amaro, o delegado Júlio Souza também diz que foi afastado do caso por pressões políticas. "Não é um caso insolúvel", disse a SIP. "As prisões preventivas foram decretadas". Sobre a mudança de depoimento feita por Lima, o delegado salientou: "Não tenho nada a esclarecer, ele é o criminoso. A palavra dele foi acatada pela Justiça", reiterou. Se Lima não é o responsável, questiona, então por que teria fugido da cidade? "Por que seria conhecido na cidade como oficial de gatilho?", pergunta o delegado. 

O prefeito Paulo Ernesto Ribeiro da Silva, ou Paulo Dapé, disse que pediu a apuração imediata do crime de Ronaldo Santana de Araújo tão logo soube da morte. Salientou que Paulo Sérgio de Mendes Lima foi pressionado para dizer que ele, prefeito, era o mandante, e que só o fez para defender a própria vida. O prefeito acusou o delegado Júlio Souza de ser cúmplice desse complô, e acredita que foi esse o motivo de ele ter sido afastado do inquérito. 

Dapé negou os boatos de que Abenílcio Mendes Lima, irmão de Paulo Sérgio, tenha sido promovido no cargo que exercia como administrador de bairros, depois do crime. Também negou que a prefeitura esteja pagando os advogados de Lima. Para o prefeito, o crime pode ser de difícil solução porque Ronaldo Santana era uma pessoa controversa, uma vez que criticava "desde o bêbado da esquina, a mulher que traía o marido, até o delegado que roubava". 

O resultado é que o inquérito continua sem solução. Diretor-adjunto do Departamento de Polícia do Interior (Depin), o delegado Mauro Moraes, atualmente responsável pela investigação, afirma que está aguardando a prisão de Alexandre Borges da Silva Neto, o Alex, no Espírito Santo, para confirmar o depoimento de Paulo Sérgio. "O crime está praticamente elucidado, mas não basta saber quem foi, temos de provar", disse Moraes. Alex já havia sido ouvido no inquérito, em 12 de outubro de 1997, pelo delegado Júlio Souza. 

CRONOLOGIA 

9/10/1997 - Ronaldo Santana de Araújo é assassinado com quatro tiros na Rua Duque de Caxias, quando se dirigia com seu filho, Márcio Alan, à Rádio Jornal, em Eunápolis, onde trabalhava. Morreu poucas horas depois no hospital 

16/10/1997 - O delegado Júlio Souza pede a prisão preventiva de Paulo Sérgio Mendes Lima, suspeito da participação na morte de Ronaldo Santana 

10/11/1998 - Paulo Sérgio Mendes Lima é preso em Goiânia (Goiás) por seu envolvimento no assassinato de Sebastião Alves Nogueira, em 8/11/1998, naquele Estado. Ele confessa que foi contatado para contratar as pessoas que mataram Ronaldo Santana e diz que o mandante é o prefeito de Eunápolis, Paulo Dapé. 

18/11/1998 - Paulo Sérgio Mendes Lima dá novo depoimento em Salvador e confirma tudo o que disse em Goiânia 

18/11/1998 - O delegado Júlio Souza pede a prisão temporária de Maria José Ferreira Souza (Maria Sindoiá), Antônio Oliveira Souza (Toninho do Caixa) e Waldemir Batista de Oliveira (Dudu), citados por Paulo Sérgio Mendes Lima em seu depoimento como intermediários no crime. Eles são levados a depor em Salvador. Negam seu envolvimento no crime e são liberados em seguida 

19/11/1998 - Em acareação feita com a funcionária Maria Sindoiá, Paulo Sérgio Mendes Lima confirma seu depoimento. Maria Sindoiá diz que Lima esteve conversando com ela, mas não para acertar a morte do radialista 

10/12/1998 - Na data de comemoração dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 61 entidades assinam a Carta de Eunápolis pedindo o fim da impunidade 

22/01/1999 - O Departamento de Direitos Humanos do Ministério da Justiça encaminha ao Ministério Público da Bahia um pedido para agilizar a investigação sobre o assassinato de Ronaldo Santana. 

5/02/1999 - Paulo Sérgio Mendes Lima dá um novo depoimento, com registro no cartório de Goiânia (Goiás). Desmente tudo o que disse antes sobre o prefeito Paulo Dapé. Disse que deu o primeiro depoimento sob pressão. 

4/03/1999 - Paulo Sérgio Mendes Lima dá um novo depoimento na Delegacia de Investigações Criminais em Goiânia, novamente desmentindo que a ordem do assassinato havia sido dada por Paulo Dapé e outros detalhes do primeiro depoimento. 

15/03/00 - Lima é condenado, em Goiânia, por crime de lesões graves com resultado presumível pela participação na morte de Sebastião Alves Nogueira. A pena de um ano, quatro meses e 15 dias de privação de liberdade, já havia sido cumprida, porque ele estava preso desde novembro de 1998. Mas ele permanece na Casa de Prisão Provisória devido ao pedido de prisão preventiva relativo ao crime de Ronaldo Santana de Araújo, na Bahia. Diz que está convertido à Igreja Adventista. 

Ronaldo Santana de Araújo era amado e odiado na cidade (perfil de Ronaldo Santana) 

Ronaldo Santana de Araújo era cristão, mas não fervoroso. Ia à Igreja quando convidado. "Ele queria muito subir na vida, era inteligente", conta sua mulher, Manuelina. Os amigos dizem que ele se envolvia com muitas mulheres. 

O radialista Paulo Rogério Argollo, o conheceu em 1990, quando dirigia a Rádio Santa Cruz, em Ilhéus, e Ronaldo apresentava um programa sertanejo. Depois, em Eunápolis, trabalharam juntos. Quando Paulo Rogério mudou de rádio, durante algum tempo, os dois chegaram a competir pela audiência no mesmo horário. Mas sempre foram considerados muito amigos. 

Hoje Paulo Rogério apresenta um programa na Rádio Jornal, ao meio-dia, patrocinado por uma empresa ligada à prefeitura, o que é considerado uma traição pela família de Ronaldo. "Se eu tivesse convicção da participação do prefeito Paulo Dapé no crime, não estaria com ele. Não posso fechar uma porta profissional porque há suspeitas. Não existem provas técnicas", afirma Paulo Rogério. Aos 47 anos, cego desde os 10 anos, e com um perna amputada devido a problemas de saúde, ele diz que está interessado em encontrar o assassino e foi a Goiânia para entrevistar Paulo Sérgio Mendes Lima, em março deste ano. Na entrevista, Lima inocenta o prefeito. 

Márcio Alan, filho de Ronaldo, contou que o prefeito Paulo Dapé estaria ameaçando seu pai, nos últimos tempos, de tirar os comerciais da rádio, caso ele não amenizasse suas críticas. Há boatos na cidade de que Dapé teria conseguido o apoio de Ronaldo, oferecendo-lhe dinheiro. A informação é confirmada por Paulo Rogério. Mas rebatida com veemência pelo radialista João Batista Alves Pereira, 23 anos, que apresenta um programa de denúncias, nem sempre com provas, semelhante ao que era feito por Ronaldo, na Rádio Jacarandá. "Tentam desacreditar jornalistas sérios, que não se vendem", observa Batista. 

Dificuldades, pontos obscuros e irregularidades do processo 

1- O promotor de Justiça Antônio Maurício Soares Magnavita, atualmente trabalhando em Porto Seguro, atuava em Eunápolis na época da morte de Ronaldo Santana de Araújo. Magnavita critica a Polícia Civil por ter demorado a chegar ao local do crime e por não ter isolado a área. Ele próprio chegou antes da polícia, cerca de uma a duas horas depois do assassinato, e conta que não havia mais vestígios de sangue, nem dos projéteis disparados. O promotor denunciou o fato e solicitou à Secretaria de Segurança Pública a designação de um delegado especial para fazer as investigações. O delegado que assumiu foi Júlio Souza. Questiona por que a investigação ocorreu em Salvador, e não em Eunápolis. 

2- Apesar das falhas apontadas no processo de Ronaldo Santana, o promotor Magnavita disse que elas não lhe causam estranheza. Segundo Magnavita, 99% dos inquéritos sobre homicídios que chegam para apuração da Polícia Civil no sul da Bahia só são resolvidos quando há o flagrante ou se alguém apontar o assassino. "A Polícia Civil não tem estrutura, nem de pessoal, nem de material, para fazer investigações", diz o promotor. Os promotores públicos também reclamam da falta de pessoal nos fóruns para dar andamento aos processos. Denúncias feitas sobre contratação irregular de funcionários em alguns Fóruns estão tornando ainda mais moroso o trabalho da Justiça. 

3- Em 30 de novembro de 1999, o promotor de Justiça de Eunápolis, João Alves da Silva Neto, encaminhou ao juiz da Comarca daquela cidade um requerimento pedindo a prisão temporária de Josadack Alves de Oliveira Barbosa, conhecido como Josa, e Carlos Roberto Soares, também chamado de Tio Patinhas. Segundo o promotor, os dois seriam integrantes de uma quadrilha de ladrões de carga de automóveis e de tráfico de drogas, sendo ainda acusados de um homicídio. Entre os integrantes da quadrilha, o promotor aponta o delegado Aluizio Villas Boas, que era o titular da delegacia de Eunápolis na época da morte de Ronaldo Santana. No requerimento, Silva Neto diz que um dos acusados apontou o delegado Villas Boas como participante da morte de Ronaldo Santana de Araújo, devido a denúncias feitas pelo radialista antes de morrer. 

4- Há um jogo de empurra para apurar o crime, dificultado ainda mais pela proximidade das eleições para prefeito e vereadores, em outubro deste ano. São candidatos: a viúva de Ronaldo Santana, Manuelina, e seu advogado, Raimundo Teixeira Galvão. Também o irmão de Paulo Sérgio Mendes Lima, Abenílcio, e o funcionário Waldemir Batista de Oliveira, o Dudu, estão se candidatando. 

5 - O inquérito policial começou com o delegado Aluizio Villas Boas, em Eunápolis. Passou para o delegado Júlio Souza, da Delegacia de Polícia do Interior (Depin), em Salvador, pelo acusado ser um prefeito. Como Júlio Souza foi destituído do cargo, o caso passou para o delegado Mauro Moraes. O processo está parado. Moraes disse que aguarda a prisão de Alexandre Borges da Silva Neto para esclarecer o crime. 

6- Há uma série de contradições apresentadas por Lima em seus três depoimentos. Ele próprio reclama que foi não levado a reconhecimento por nenhuma das testemunhas, em Eunápolis. Diz que está sendo usado pela polícia como bode expiatório e acusa os delegados Júlio Souza e Aluizio Villas Boas de perseguição. Está convencido de que, ao sair da prisão, será um homem morto. 

7- Márcio, filho de Ronaldo Santana, diz que não tem as fitas com as denúncias apresentadas nos programas do pai. Afirma que elas foram todas entregues ao radialista Paulo Rogério Dórea de Teive Argollo. O radialista, que era muito amigo de Ronaldo Santana, atualmente trabalha na Rádio Jornal e apresenta um programa patrocinado por uma empresa que tem ligações com a prefeitura de Eunápolis. Argollo não sabe onde se encontra a fita com o último programa feito por Ronaldo, anunciando denúncias sobre o tráfico de drogas.
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